SINTRA E O JAPÃO
SINTRA
A vila de Sintra está geminada com a cidade japonesa de Omura desde 21 de agosto de 1997. Quer
isto dizer que é considerada uma cidade irmã. E porquê uma cidade japonesa?
A
nossa riquíssima História dá-nos a resposta: Em 1543 os portugueses, de forma
inesperada, aportaram nas praias de Tanegashima e desde então que não mais
deixaram de visitar aquelas paragens. Ora por motivos económicos (trocas
comerciais), ora por motivos religiosos (evangelização), os dois povos
entrelaçaram o Ocidente com o Oriente num abraço duradouro apesar do acontecimento de alguns episódios trágicos.
A verdade é que o sucesso da
evangelização em terra nipónica foi uma realidade que deveria ser testemunhada
por toda a Europa cristã e, obviamente, por Roma. Neste sentido o padre
Alessandro Valignano (Jesuíta), por volta de 1579 começou a pensar que a melhor
prova que poderia dar de todo esforço recompensado levado a efeito pela Companhia de Jesus seria apresentar nas
consideradas melhores cortes europeias provas vivas da conversão japonesa. Nada
mais convincente seria do que apresentar japoneses cristãos. E não quaisquer
japoneses, mas sim elementos de famílias poderosas. Seria como que apresentar
os “filhos mais recentes da Igreja Católica” ao mundo cristão civilizado.
Assim, a missão seria
devidamente propagandeada e levaria, por razões óbvias, à rendição daqueles que
não lhe davam a devida importância; poderia conseguir apoio financeiro para a Companhia; despertaria novas vocações,
pois com tais provas, pelo menos, alguns espíritos jovens poderiam aderir aos
jesuítas e, finalmente, seria uma demonstração do poder da Igreja Católica
perante as cortes europeias.
Os quatro jovens japoneses cristãos
escolhidos eram oriundos das famílias mais importantes dos senhores de Kyushu (Omura):
Mâncio Ito, Miguel Chijawa, Juliano Nakura e Martinho Hara. Para além de jovens
e de serem filhos de gente importante, estes foram escolhidos, também, pela sua estrutura física robusta, de modo a poderem aguentar
uma viagem tão longa e exposta a diversos perigos.
Assim em de fevereiro de 1582 partiram de Nagasáqui
numa viagem que teria a duração de 8 anos ida e volta. Sigamos o seu
itinerário:
- 1582 (fevereiro) – partida de Nagasáqui -> 1584 (agosto)
depois de escalas em Macau, Malaca e Goa (na nau Santiago) chegam a Lisboa:
são recebidos pelo Cardeal – Arquiduque
Alberto de Áustria (que governava Portugal em nome do rei Filipe I de
Portugal) -> seguem para Sintra e depois para Évora
onde são acolhidos pelo duque de Bragança -> dirigem-se a Toledo
local de curta paragem -> chegam a Madrid onde, em novembro, se
encontram com o rei Filipe II (I de Portugal). Em fevereiro de 1585
embarcam para Itália – Pisa – Florença. Em março
encontram-se em Roma: aí são recebidos e acolhidos pelo padre
Cláudio Acquaviva, Geral da
Companhia de Jesus - > Vaticano: ponto fulcral do percurso
onde, em audiência, sua Santidade o Papa Gregório XIII, os recebe ->
Junho – Veneza -> Milão – em agosto embarcam em Génova
de regresso a Espanha. No mês de outubro já estão de volta Portugal, sendo
recebidos em Vila Viçosa pelos Braganças. Seguem para Coimbra, Évora,
Lisboa.
Em Abril de 1586
regressam ao Japão e aportam, no mês de Julho de 1590, no porto de Nagasáqui.
Para tais conhecimentos, contamos com a ajuda preciosa
de Luís Fróis (padre jesuíta), pois fez o relato desta viagem no seu Tratado dos Embaixadores Japões da forma
entusiástica como estes jovens japoneses foram recebidos e curiosamente
denominados por “meninos japões”.
Logo no início da viagem e ainda na Índia, o vice –
rei D. Francisco Mascarenhas ficou muito sensibilizado com a presença dos
quatro rapazes, pelo que “…lhes deitou
a cada um uma cadeia de ouro ao pescoço, com seus relicários feitos em Roma,
ricos e de muita estima …”[1].
Em Portugal, o Cardeal Arquiduque de Áustria recebeu
os jovens japoneses no Paço da Ribeira de modo muito alegre e afetuoso, sem
lhes dar, ao mesmo tempo, muita importância, pois logo no dia seguinte partiu
para Sintra, por fazer muito calor em Lisboa (14 de agosto). Apesar
disso, deixou ao dispor dos jovens um coche de sua casa para que pudessem
visitar a capital portuguesa em especial as suas igrejas (Mosteiro de Nossa Senhora da Graça, o mosteiro de Santo Elói, o Hospital
del – Rei, o Colégio de Santo Antão).
Parecia não ter sido dado o devido relevo aos jovens
japoneses. Contudo, passados alguns dias o cardeal chamou – os aos Paços de
Sintra, pedindo-lhes que vestissem as roupas tradicionais japonesas, dado
serem muito alegres e conferirem, certamente, um ar de folclore à sua estada. É
de notar que a autoridade de Portugal não gostou de os ver vestidos de modo
ocidentalizado, tal como Luís Fróis refere “… ordenou que fossem lá folgar os
senhores japões, e mandou avisar … que folgaria de os ver vestidos a seu
próprio uso japónico, porque quando foram visitar da primeira vez foram com
mantos de raxa preta e roupeta de tafetá da China…”[2].
Em Sintra foram acolhidos no mosteiro de Penhalonga, visitaram o mosteiro de Nossa Senhora da Penha,
tendo apreciado muito as peças de arte sacra e todo o aspecto rico, assim como
a paisagem.
Por onde passaram, os jovens japoneses foram bem
recebidos e olhados com muita curiosidade e estima. Era um milagre uma gente
tão diferente e de terra tão distante com tantas afinidades com Portugal e,
especialmente, com a cristandade!
Quando estes “embaixadores” se dirigiram ao Paço de Sintra, o Cardeal encontrava-se na companhia de pouca gente
e, outra vez, mostrou o seu agrado em recebê-los. Desta
feita, ficou verdadeiramente satisfeito ao observar os trajes “japónicos”:
roupas de várias sedas e uso de duas espadas (terçado e catana), o que lhes
conferia maior fidalguia.[3]
Em conversa, admiraram o Paço pelas suas pinturas e antiguidade, tendo-se,
contudo, encantado com os repuxos interiores. Ao vice - rei foram mostrados
biombos e oferecido um copo de dorbo de bada com pé de prata.
Após esta curta visita, recolheram a Penhalonga
onde pernoitaram. Em comentários posteriores sabemos que estes jovens nipónicos
contemplaram demoradamente a paisagem envolvente, tendo demonstrado especial
apreço pela horta do mosteiro e admiração pela abundância de água.
A visita que se seguiu centrou-se no mosteiro
de Nossa Senhora da Penha[4],
também em Sintra e igualmente
pertencente à Ordem de S. Jerónimo. O pitoresco desta deslocação foi a necessidade de seguirem de
burro devido ao caminho ser muito íngreme e sinuoso, não podendo ser percorrido
de coche.
Lá bem no cimo, então, as atracções existentes surtiram um efeito quase de
encantamento, dado os viajantes terem ficado, verdadeiramente, fascinados com o
local em si, uma vez mais a paisagem em redor e muito especialmente no interior
do mosteiro um retábulo muito rico de mármore branco todo com figuras de Paixão e
de Nossa Senhora.
A viagem prosseguiu com o regresso a Lisboa, tendo seguidamente, os jovens
japoneses percorrido caminho até Roma, passando por Toledo e Madrid onde se
encontraram, no Escorial, com o rei Filipe II de Espanha a quem ofereceram
biombos. Seguidamente embarcaram com destino a Itália, chegando ao seu ponto
fulcral: o Vaticano. Aí foram recebidos por Sua Santidade Sereníssima o Papa
Gregório XIII, pouco antes da sua morte. Este mostrou-se emocionado e comovido,
tratando os quatro rapazes de forma paternal e oferecendo-lhes roupa europeia,
bem como algum dinheiro paras as suas despesas[5].
O êxito da visita a Sintra foi tanto que não
mais ficou esquecido. Daí que tenha surgido a ideia da geminação da vila com a
cidade de Omura para acautelar que a memória, só por si, pudesse ser
insuficiente e se perder no fio do tempo…
Autora:
Ana Paula Miranda
[4]
Note-se que esta construção corresponde ao atual Palácio Nacional da Pena que,
inicialmente, era o referido mosteiro
Jerónimo.
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