D. Pedro IV

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quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Sintra e o Japão


 
           
SINTRA E O JAPÃO
 
 
 OMURA
 
 
              SINTRA                                                                  
 
A vila de Sintra está geminada com a cidade japonesa de Omura desde 21 de agosto de 1997. Quer isto dizer que é considerada uma cidade irmã. E porquê uma cidade japonesa?
            A nossa riquíssima História dá-nos a resposta: Em 1543 os portugueses, de forma inesperada, aportaram nas praias de Tanegashima e desde então que não mais deixaram de visitar aquelas paragens. Ora por motivos económicos (trocas comerciais), ora por motivos religiosos (evangelização), os dois povos entrelaçaram o Ocidente com o Oriente num abraço duradouro apesar  do acontecimento de alguns episódios trágicos.
            A verdade é que o sucesso da evangelização em terra nipónica foi uma realidade que deveria ser testemunhada por toda a Europa cristã e, obviamente, por Roma. Neste sentido o padre Alessandro Valignano (Jesuíta), por volta de 1579 começou a pensar que a melhor prova que poderia dar de todo esforço recompensado levado a efeito pela Companhia de Jesus seria apresentar nas consideradas melhores cortes europeias provas vivas da conversão japonesa. Nada mais convincente seria do que apresentar japoneses cristãos. E não quaisquer japoneses, mas sim elementos de famílias poderosas. Seria como que apresentar os “filhos mais recentes da Igreja Católica” ao mundo cristão civilizado.
         Assim, a missão seria devidamente propagandeada e levaria, por razões óbvias, à rendição daqueles que não lhe davam a devida importância; poderia conseguir apoio financeiro para a Companhia; despertaria novas vocações, pois com tais provas, pelo menos, alguns espíritos jovens poderiam aderir aos jesuítas e, finalmente, seria uma demonstração do poder da Igreja Católica perante as cortes europeias.
            Os quatro jovens japoneses cristãos escolhidos eram oriundos das famílias mais importantes dos senhores de Kyushu (Omura): Mâncio Ito, Miguel Chijawa, Juliano Nakura e Martinho Hara. Para além de jovens e de serem filhos de gente importante, estes foram escolhidos, também, pela sua estrutura física robusta, de modo a poderem aguentar uma viagem tão longa e exposta a diversos perigos.
      
 
Assim em de fevereiro de 1582 partiram de Nagasáqui numa viagem que teria a duração de 8 anos ida e volta. Sigamos o seu itinerário:
 
  • 1582 (fevereiro) – partida de Nagasáqui -> 1584 (agosto) depois de escalas em Macau, Malaca e Goa (na nau Santiago) chegam a Lisboa: são recebidos pelo  Cardeal – Arquiduque Alberto de Áustria (que governava Portugal em nome do rei Filipe I de Portugal) -> seguem para Sintra e depois para Évora onde são acolhidos pelo duque de Bragança -> dirigem-se a Toledo local de curta paragem -> chegam a Madrid onde, em novembro, se encontram com o rei Filipe II (I de Portugal). Em fevereiro de 1585 embarcam para ItáliaPisaFlorença. Em março encontram-se em Roma: aí são recebidos e acolhidos pelo padre Cláudio Acquaviva, Geral da Companhia de Jesus - > Vaticano: ponto fulcral do percurso onde, em audiência, sua Santidade o Papa Gregório XIII, os recebe -> Junho – Veneza -> Milão – em agosto embarcam em Génova de regresso a Espanha. No mês de outubro já estão de volta Portugal, sendo recebidos em Vila Viçosa pelos Braganças. Seguem para Coimbra, Évora, Lisboa.
Em Abril de 1586 regressam ao Japão e aportam, no mês de Julho de 1590, no porto de Nagasáqui.
 
      
   
Para tais conhecimentos, contamos com a ajuda preciosa de Luís Fróis (padre jesuíta), pois fez o relato desta viagem no seu Tratado dos Embaixadores Japões da forma entusiástica como estes jovens japoneses foram recebidos e curiosamente denominados por “meninos japões”.
Logo no início da viagem e ainda na Índia, o vice – rei D. Francisco Mascarenhas ficou muito sensibilizado com a presença dos quatro rapazes, pelo que “…lhes deitou a cada um uma cadeia de ouro ao pescoço, com seus relicários feitos em Roma, ricos e de muita estima …”[1].
Em Portugal, o Cardeal Arquiduque de Áustria recebeu os jovens japoneses no Paço da Ribeira de modo muito alegre e afetuoso, sem lhes dar, ao mesmo tempo, muita importância, pois logo no dia seguinte partiu para Sintra, por fazer muito calor em Lisboa (14 de agosto). Apesar disso, deixou ao dispor dos jovens um coche de sua casa para que pudessem visitar a capital portuguesa em especial as suas igrejas (Mosteiro de Nossa Senhora da Graça, o mosteiro de Santo Elói, o Hospital del – Rei, o Colégio de Santo Antão).
Parecia não ter sido dado o devido relevo aos jovens japoneses. Contudo, passados alguns dias o cardeal chamou – os aos Paços de Sintra, pedindo-lhes que vestissem as roupas tradicionais japonesas, dado serem muito alegres e conferirem, certamente, um ar de folclore à sua estada. É de notar que a autoridade de Portugal não gostou de os ver vestidos de modo ocidentalizado, tal como Luís Fróis refere “… ordenou que fossem lá folgar os senhores japões, e mandou avisar … que folgaria de os ver vestidos a seu próprio uso japónico, porque quando foram visitar da primeira vez foram com mantos de raxa preta e roupeta de tafetá da China…”[2].
Em Sintra foram acolhidos no mosteiro de Penhalonga, visitaram o mosteiro de Nossa Senhora da Penha, tendo apreciado muito as peças de arte sacra e todo o aspecto rico, assim como a paisagem.
Por onde passaram, os jovens japoneses foram bem recebidos e olhados com muita curiosidade e estima. Era um milagre uma gente tão diferente e de terra tão distante com tantas afinidades com Portugal e, especialmente, com a cristandade!
Quando estes “embaixadores” se dirigiram ao Paço de Sintra, o Cardeal encontrava-se na companhia de pouca gente e, outra vez, mostrou o seu agrado em recebê-los. Desta feita, ficou verdadeiramente satisfeito ao observar os trajes “japónicos”: roupas de várias sedas e uso de duas espadas (terçado e catana), o que lhes conferia maior fidalguia.[3]
Em conversa, admiraram o Paço pelas suas pinturas e antiguidade, tendo-se, contudo, encantado com os repuxos interiores. Ao vice - rei foram mostrados biombos e oferecido um copo de dorbo de bada com pé de prata.
Após esta curta visita, recolheram a Penhalonga onde pernoitaram. Em comentários posteriores sabemos que estes jovens nipónicos contemplaram demoradamente a paisagem envolvente, tendo demonstrado especial apreço pela horta do mosteiro e admiração pela abundância de água.
A visita que se seguiu centrou-se no mosteiro de Nossa Senhora da Penha[4], também em Sintra e igualmente pertencente à Ordem de S. Jerónimo. O pitoresco desta deslocação foi a necessidade de seguirem de burro devido ao caminho ser muito íngreme e sinuoso, não podendo ser percorrido de coche.
Lá bem no cimo, então, as atracções existentes surtiram um efeito quase de encantamento, dado os viajantes terem ficado, verdadeiramente, fascinados com o local em si, uma vez mais a paisagem em redor e muito especialmente no interior do mosteiro um retábulo muito rico de mármore branco todo com figuras de Paixão e de Nossa Senhora.
A viagem prosseguiu com o regresso a Lisboa, tendo seguidamente, os jovens japoneses percorrido caminho até Roma, passando por Toledo e Madrid onde se encontraram, no Escorial, com o rei Filipe II de Espanha a quem ofereceram biombos. Seguidamente embarcaram com destino a Itália, chegando ao seu ponto fulcral: o Vaticano. Aí foram recebidos por Sua Santidade Sereníssima o Papa Gregório XIII, pouco antes da sua morte. Este mostrou-se emocionado e comovido, tratando os quatro rapazes de forma paternal e oferecendo-lhes roupa europeia, bem como algum dinheiro paras as suas despesas[5].
O êxito da visita a Sintra foi tanto que não mais ficou esquecido. Daí que tenha surgido a ideia da geminação da vila com a cidade de Omura para acautelar que a memória, só por si, pudesse ser insuficiente e se perder no fio do tempo…
 
 
Autora: Ana Paula Miranda


[1] Luís Fróis, Tratado dos Embaixadores Japões, p. 21
[2] Luís Fróis, ob.cit., p. 32.
[3] Cf Luís Fróis, ibidem, p.33.
[4] Note-se que esta construção corresponde ao atual Palácio Nacional da Pena que, inicialmente, era o referido  mosteiro Jerónimo.
[5] Cf, Armando Martins Janeira,, pág. 109.

 

 

 

 

 
 

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